quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

MIGRAÇÃO - Pablo Neruda.



Tudo em uma linha e outra linha
um esquadrão de penas,
um navio
palpitava no ar,
cruzou
a infinita
janelinha onde procuro,
interrogo, trabalho, espreito, esperei.
A torre de areia
e o espaço marinho
se juntam aí, resolvem
o canto, o movimento.
Acima o céu se abre.
Então foi assim: direto, agudo,
latejante, foi para
onde? Para o Norte, para o Oeste,
para a claridade,
para a estrela,
para a rocha da solidão e do sal
onde o mar quebra os seus relógios.
Era um ângulo de pássaros
dirigido
aquela latitude de ferro e neve
que avançava
sem trégua
em seu caminho retilíneo:
era a retidão devoradora
de uma flecha óbvia,
os números do céu que viajava
para procriar formados
pelo amor imperioso e pela geometria.
Fiz questão de olhar até perder
os olhos e só vi
a ordem do vôo,
a multidão da asa contra o vento:
vi a serenidade multiplicada
por aquele hemisfério transparente
atravessado pela decisão sombria
daqueles pássaros no céu.
Eu vi apenas a estrada.
Tudo permaneceu azul.
Mas na multidão de pássaros
direto para seu destino
um rebanho e outro obtinham
vitórias
triangulares
unidas pela voz de um único vôo,
pela unidade do fogo,
pelo sangue,
pela sede, pela fome,
pelo frio,
pelo dia precário que chorava
antes de ser engolido à noite,
pela urgência erótica da vida:
a unidade dos pássaros
voou
para as costas negras desdentadas,
rochas mortas, ilhas amarelas,
onde o sol dura mais que o dia
e no mar quente se desenvolve
a bandeira plural das sardinhas.
Na pedra assaltada
pelos pássaros
o segredo foi avançado:
pedra, umidade, esterco, solidão,
fermentarão e sob o sol sangrento
nascerão criaturas arenosas
que algum tempo voltarão voando em
direção ao furacão leve do frio,
para os pés antárticos do Chile.
Agora eles cruzam, eles povoam a distância,
mal movendo suas asas na luz
como se estivessem unidos em uma batida,
eles voam sem se desprender
do corpo
migratório
que na terra se divide
e se dispersa.
Sobre a água, no ar,
os inúmeros pássaros voam,
o barco é um,
o navio transparente
constrói unidade com tantas asas,
com tantos olhos abertos para o mar
que é uma só paz que se cruza
e só uma imensa asa é deslocada.
Ave do mar, espuma migratória,
asa do Sul, do Norte, asa de onda,
aglomerado desdobrado pelo vôo,
coração faminto multiplicado,
chegará, grande pássaro, para descascar
o colar dos delicados ovos
que o vento choca e nutre as areias
até que um novo vôo multiplica
novamente a vida, a morte, o desenvolvimento, os
gritos úmidos, o estrume quente,
e de novo nascer, partir, longe
do páramo em direção a outro páramo.
Longe
desse silêncio, fujam, pássaros do frio
para um vasto silêncio rochoso
e do ninho para o número errante,
flechas do mar, deixem-me
a glória úmida da passagem,
a distinta permanência das penas
que nascem, morrem, duram e latejam
criando peixe por peixe sua longa espada,
crueldade contra crueldade a própria luz
e contra o vento e contra a vida.
(*Procurem também o original em espanhol).

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